Nesnesitelná lehkost bytí

“Volta, mais uma vez e sempre, à imagem daquela mulher deitada no divã. Ela não lhe lembra ninguém de sua vida de outros tempos. Não era nem amante nem esposa. Ela havia adormecido. Ele se ajoelhara ao seu lado. Sua respiração febril se acelerava e ele ouviu um breve gemido. Encostou o rosto contra o dela e sussurrou palavras reconfortantes durante o sono. No fim de alguns instantes, sua respiração dornou-se mais calma e seu rosto se levantou maquinalmente em direção ao dele. Sentiu nos lábios o cheiro um pouco acre da febre e o aspirou como se quisesse se impregnar da intimidade de seu corpo. Imaginou então que ela estava na casa dele já há muitos anos e que morreria. De repente, pareceu-lhe evidente que não sobreviveria à morte dela. Estendeu-se ao seu lado para morrer junto com ela. Seus rostos uniram-se sobre o travesseiro e assim ficaram por muito tempo.

No momento Tomas está de pé à janela e relambra esse instante. O que seria senão o amor que assim se revelava?

Mas seria amor? Estava persuadido de que morrer ao lado dela e esse sentimento era claramente exagererado: estava vendo-a então pela segunda vez na vida! Não seria mais a reação histérica de um homem que, compreendendo em seu foro íntimo sua inaptidão para o amor, começa a representar para si próprio a comédia do amor? Ao mesmo tempo, seu subconsciente se mostrava tão covarde que escolhera para sua comédia essa modesta garçonete de província que não tinha praticamente possibilidade de entrar em sua vida.

Olhava os muros sujos do pátio e compreendia que não saberia se era histeria ou amor.”

 

“A Insustentável Leveza do Ser (em checo Nesnesitelná lehkost bytí) é um livro publicado em 1984 por Milan Kundera.”

Um livro desemprestado da Rafa (amiga-colega), só começado. Estou madura para ele, para recomeçar, para terminar. Rafa, empresta o livro de novo?

Sobre Daniela

"O desafio da oralidade às vezes me leva a uma reflexão que, quando vejo no papel, acho que se estivesse escrito não seria tão bem-sucedida. Sou mais estimulado na conversa. É lógico que, escrevendo, sinto que consigo ser mais sintético em dizer, lucidamente, o que quero."
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